segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A DIFÍCIL ARTE DE SER MULHER

Frei Betto*


Hours concours em Cannes, um dos filmes de maior sucesso no badalado festival francês foi "Ágora", direção de Alejandro Amenabar..

A estrela é a inglesa Rachel Weiz, premiada com o Oscar 2006 de melhor atriz coadjuvante em "O jardineiro fiel", dirigido por Fernando Meirelles.

Em "Ágora" ela interpreta Hipácia, única mulher da Antiguidade a se destacar como cientista. Astrônoma, física, matemática e filósofa, Hipácia nasceu em 370, em Alexandria. Foi a última grande cientista de renome a trabalhar na lendária biblioteca daquela cidade egípcia. Na Academia de Atenas ocupou, aos 30 anos, a cadeira de Plotino. Escreveu tratados sobre Euclides e Ptolomeu, desenvolveu um mapa de corpos celestes e teria inventado novos modelos de astrolábio, planisfério e hidrômetro.


Neoplatônica, Hipácia defendia a liberdade de religião e de pensamento. Acreditava que o Universo era regido por leis matemáticas. Tais ideias suscitaram a ira de fundamentalistas cristãos que, em plena decadência do Império Romano, lutavam por conquistar a hegemonia cultural.


Em 415, instigados por Cirilo, bispo de Alexandria, fanáticos arrastaram Hipácia a uma igreja, esfolaram-na com cacos de cerâmica e conchas e, após assassiná-la, atiraram o corpo a uma fogueira. Sua morte selou, por mil anos, a estagnação da matemática ocidental. Cirilo foi canonizado por Roma.


O filme de Amenabar é pertinente nesse momento em que o fanatismo religioso se revigora mundo afora. Contudo, toca também outro tema mais profundo: a opressão contra a mulher. Hoje, ela se manifesta por recursos tão sofisticados que chegam a convencer as próprias mulheres de que esse é o caminho certo da libertação feminina.


Na sociedade capitalista, onde o lucro impera acima de todos os valores, o padrão machista de cultura associa erotismo e mercadoria. A isca é a imagem estereotipada da mulher. Sua autoestima é deslocada para o sentir-se desejada; seu corpo é violentamente modelado segundo padrões consumistas de beleza; seus atributos físicos se tornam onipresentes.


Onde há oferta de produtos - TV, internet, outdoor, revista, jornal, folheto, cartaz afixado em veículos, e o merchandising embutido em telenovelas - o que se vê é uma profusão de seios, nádegas, lábios, coxas etc. É o açougue virtual. Hipácia é castrada em sua inteligência, em seus
talentos e valores subjetivos, e agora dilacerada pelas conveniências do mercado. É sutilmente esfolada na ânsia de atingir a perfeição.


Segundo a ironia da Ciranda da bailarina, de Edu Lobo e Chico Buarque, "Procurando bem / todo mundo tem pereba / marca de bexiga ou vacina / e tem piriri, tem lombriga, tem ameba / só a bailarina que não tem". Se tiver, será execrada pelos padrões machistas por ser gorda, velha, sem atributos físicos que a tornem desejável.


Se abre a boca, deve falar de emoções, nunca de valores; de fantasias, e não de realidade; da vida privada e não da pública (política). E aceitar ser lisonjeiramente reduzida à irracionalidade analógica: "gata", "vaca", "avião", "melancia" etc.


Para evitar ser execrada, agora Hipácia deve controlar o peso à custa de enormes sacrifícios (quem dera destinasse aos famintos o que deixa de ingerir...), mudar o vestuário o mais frequentemente possível, submeter-se à cirurgia plástica por mera questão de vaidade (e pensar que este ramo da medicina foi criado para corrigir anomalias físicas e não para dedicar-se a
caprichos estéticos).


Toda mulher sabe: melhor que ser atraente, é ser amada. Mas o amor é um valor anticapitalista. Supõe solidariedade e não competitividade; partilha e não acúmulo; doação e não possessão. E o machismo impregnado nessa cultura voltada ao consumismo teme a alteridade feminina. Melhor fomentar a mulher-objeto (de consumo).


Na guerra dos sexos, historicamente é o homem quem dita o lugar da mulher.. Ele tem a posse dos bens (patrimônio); a ela cabe o cuidado da casa (matrimônio). E, é claro, ela é incluída entre os bens... Vide o tradicional costume de, no casamento, incluir o sobrenome do marido ao nome
da mulher.


No Brasil colonial, dizia-se que à mulher do senhor de escravos era permitido sair de casa apenas três vezes: para ser batizada, casada e enterrada... Ainda hoje, a Hipácia interessada em matemática e filosofia é, no mínimo, uma ameaça aos homens que não querem compartir, e sim dominar.
Eles são repletos de vontades e parcos de inteligência, ainda que cultos.


Se o atrativo é o que se vê, por que o espanto ao saber que a média atual de durabilidade conjugal no Brasil é de sete anos? Como exigir que homens se interessem por mulheres que carecem de atributos físicos ou quando estes são vencidos pela idade?


Pena que ainda não inventaram botox para a alma. E nem cirurgia plástica para a subjetividade.




*[Autor de "A arte de semear estrelas" (Rocco), entre outros livros], escritor e assessor de movimentos sociais.]

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Em defesa da democracia e do MST


FOLHA DE SÃO PAULO


Se a agricultura brasileira é tão moderna e produtiva, por que o agronegócio teme tanto a atualização dos índices de produtividade?
A RECONSTRUÇÃO da democracia tem exigido enormes sacrifícios dos trabalhadores. Desde a reconstrução de suas organizações, destruídas por 20 anos de repressão, até a invenção de novas formas de lutas capazes de responder ao desafio de enfrentar uma das sociedades mais desiguais do mundo.
Isso tem implicado apresentar aos herdeiros da cultura escravocrata de 500 anos os trabalhadores da cidade e do campo como cidadãos, participantes legítimos da produção da riqueza e beneficiários da sua partilha.
O ódio das oligarquias jamais perde de vista um desses novos instrumentos de organização e luta: o MST.
Esse movimento paga diariamente com suor e sangue -como há pouco no Rio Grande do Sul- por sua ousadia de questionar um dos pilares da desigualdade: o monopólio da terra.
O gesto de levantar sua bandeira se traduz numa frase simples de entender e, por isso, intolerável aos ouvidos dos senhores da terra e do agronegócio. Não podemos considerar uma República um país em que 1% da população tem a propriedade de 46% do território, defendida por cercas, agentes do Estado e matadores de aluguel.
Menos ainda uma democracia.
A Constituição determina que latifúndios improdutivos e terras usadas para a plantação de matérias-primas para a produção de drogas devem ser destinados à reforma agrária. No entanto, os sucessivos governos têm sido negligentes.
À ousadia dos trabalhadores rurais de garantir direitos constitucionais, pressionando autoridades com ocupações pacíficas, soma-se outra ousadia, também intolerável: a disputa legítima e legal do orçamento público.
Em 40 anos, desde a criação do Incra, cerca de 1 milhão de famílias rurais foram assentadas -mais da metade de 2003 pra cá. Para viabilizar a atividade dessas famílias, para integrá-las ao processo produtivo de alimentos e divisas no novo ciclo de desenvolvimento, é necessário travar a disputa por investimentos públicos.
Daí resulta o ódio dos ruralistas e do grande capital, habituados ao acesso exclusivo ao crédito, a subsídios e ao perdão periódico de dívidas.
O compromisso do governo de rever os critérios de produtividade responde a uma bandeira de 40 anos de lutas. Ao exigir a atualização, os trabalhadores do campo só estão exigindo o cumprimento da Constituição e a incorporação dos avanços científicos e tecnológicos aos métodos de medir a produtividade agrícola.
É contra essa bandeira que a bancada ruralista do Congresso reage e ataca o MST. Como represália, buscam mais uma vez articular uma CPI contra o MST. A terceira em cinco anos.
Se a agricultura brasileira é tão moderna e produtiva, como alardeia o agronegócio, por que temem tanto a atualização desses índices?
Por que nunca foi criada uma CPI para analisar os recursos públicos destinados à classe patronal rural?
Seria possível responder a algumas perguntas tão simples como: O que ocorreu ao longo desses 40 anos no campo brasileiro em termos de ganho de produtividade? Quanto a sociedade investiu para que uma verdadeira revolução tecnológica tornasse a agricultura capaz de alimentar nosso povo e se afirmar como uma das maiores exportadoras de alimentos? Quantos perdões da dívida agrícola foram oferecidos pelos cofres públicos aos grandes proprietários de terra?
O ataque ao MST extrapola a luta pela reforma agrária. É um ataque contra os avanços democráticos conquistados na Constituição -como o que estabelece a função social da propriedade agrícola- e contra os direitos imprescindíveis para a reconstrução democrática. É, portanto, contra isso que se levantam as lideranças do agronegócio e seus aliados.
E isso é grave. É uma ameaça não só contra os movimentos dos trabalhadores mas também contra toda a sociedade. É a própria reconstrução democrática do Brasil, que custou os esforços e mesmo a vida de muitos brasileiros, que está sendo posta em xeque e violentada.
É por essa razão que se arma uma nova ofensiva dos setores mais conservadores da sociedade contra o MST -no Congresso, nos monopólios de comunicação e nos lobbies de pressão nas esferas de poder.
Trata-se de criminalizar um movimento que se mantém como uma bandeira acesa, inquietando a consciência democrática do país: a nossa democracia só será digna desse nome quando incorporar todos os brasileiros e lhes conferir, como cidadãos, o direito a participar da partilha da riqueza que produzem ao longo de suas vidas, com suas mãos, talento e amor pela pátria de todos nós.

*PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO , 79, é presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária). Foi deputado federal pelo PT-SP (1985-1991) e consultor da FAO.
*HAMILTON PEREIRA , o Pedro Tierra, 61, é poeta e membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo.
*OSVALDO RUSSO , 61, estatístico, é diretor da Abra e coordenador do núcleo agrário nacional do PT. Foi presidente do Incra (1993-1994).--

terça-feira, 8 de setembro de 2009

VENHA CONHECER SEU POVO!

Pra falarmos um pouco do EIV. Conteúdo da carta convite que estamos encaminhando para alguns grupos, entidades e pessoas. Um convite também aos leitores deste blog.

O Estagio Interdisciplinar de Vivência em Viçosa acontece a 13 anos. Este projeto de extensão da UFV possibilita ao estudante estagiário ter uma experiência de formação profissional diferente da proporcionada pela Universidade, no qual o estudante poderá observar outras formas de organização e de vida através de uma vivencia na casa de um agricultor e/ou agricultora da zona rural.

O estágio acontece em fevereiro e tem a duração de 22 dias. Os 6 primeiros dias se passam em Viçosa e compreendem a preparação do estagiário para a Vivencia, nos próximos 13 dias acontece a Vivencia, nesta o estagiário será encaminhado para áreas rurais da Zona da Mata. Os últimos 3 dias são o retorno a Viçosa, onde serão retomados alguns temas, agora enriquecidos com as experiências vividas e também acontecerá a avaliação do estágio.

Uma parte importante do EIV se inicia bem antes deste, são as oficinas temáticas que permitem ao estudante um primeiro contato com o estágio e com as pessoas que o constroem. Essas oficinas abrangem temas que dialogam entre si, com os temas da preparação para a vivencia e com a realidade do estudante.

Com essa idéia, no dia 11 de setembro, sexta-feira às 14h no CEE (sala afixada na entrada) acontecerá a primeira oficina do EIV, com o tema “Produção do Conhecimento e Atuação Profissional”, na qual vamos discutir sobre a produção do conhecimento na Universidade, qual sua função para a sociedade e como nossa formação profissional está relacionada com tudo isso.


Nos vemos lá ;)


domingo, 6 de setembro de 2009

Agroecologia é reconhecida pela EMBRAPA

Integrantes do Fórum Permanente de Agroecologia, composto por pesquisadores
da Embrapa e representantes da Associação Brasileira de Agroecologia,
Associação Nacional de Agroecologia e Via Campesina, estiveram reunidos na
sede da Embrapa com o diretor-presidente, Pedro Arraes, no último dia 20 de
Agosto, para apresentar as ações realizadas e encaminhar as estratégias para
institucionalização desta temática na empresa.

O diretor-presidente Pedro Arraes reconheceu a relevância do trabalho, e
afirmou que a administração atual está em sintonia com a agenda estratégica
do Fórum. "É importante que a Embrapa tenha a Agroecologia como uma ação
institucional" foi a mensagem do diretor-presidente aos membros do Fórum de
Agroecologia. Segundo o coordenador do Fórum, João Carlos Costa Gomes, foram
feitos encaminhamentos no sentido de aproveitar as contribuições do grupo
para consolidação, internalização e institucionalização do tema agroecologia
na pauta de pesquisa e transferência de tecnologia da Embrapa.

Essa foi a orientação do diretor-presidente Pedro Arraes, ao final da
reunião. "Essa é uma grande preocupação do grupo, que foi criado por uma
demanda da sociedade civil que buscava respostas científicas no campo da
Agroecologia com uma estratégia de aumentar a sustentabilidade da
agricultura familiar. Esse é o eixo da nossa atuação", disse Costa Gomes.
"Estamos também num processo de sistematização de experiências em
agroecologia em parceria com a ABA e com a ANA, onde foram identificadas
mais de 150 experiências que estão em andamento, muitas delas de
pesquisadores da Embrapa". Continuando, ele explica que esse processo de
sistematização está em curso.

Foram selecionadas 72 experiências e, no Congresso Brasileiro de
Agroecologia serão apresentadas duas por região. "Vamos realizar ainda seis
seminários regionais, sendo dois na Amazônia pela sua dimensão. A partir da
sistematização dessas experiências elaboraremos um livro que retrate as
experiências de ensino, pesquisa e extensão em Agroecologia nas diferentes
regiões brasileiras, enfatizando os processos de inovações local criados em
um ambiente de construção coletiva do conhecimento, acrescentou Costa Gomes.

Dentre as pautas do Fórum apresentadas ao diretor-presidente destacam-se a
promoção de uma capacitação permanente e continuada do corpo técnico da
Embrapa em Agroecologia e Metodologias Participativas; a realização de um
Seminário Nacional com etapas preparatórias em eventos regionais para
atualizar o Marco Referencial de Agroecologia e criar estratégias para
institucionalizar a temática na empresa.

A participação do diretor-presidente na abertura do Congresso Brasileiro de
Agroecologia e, o estímulo a participação dos pesquisadores e analistas da
Embrapa nesse evento também foi acordado. De acordo com Costa Gomes, os
cerca 1500 trabalhos científicos já inscritos demonstra o vigor com que o
tema vem sendo tratado no país afora. "Esse vigor, é o que também nos leva a
realizar uma reunião especial com os técnicos da Embrapa no Congresso, com o
objetivo de reforçar a institucionalização do tema", finaliza.

Texto: Elizabete Antunes - MTb744/DF
Contato: (61) 3448-4284 ; bete@sede.embrapa.br