Parte de um texto escrito pela Marcha Mundial das Mulheres - Moçambique, nos lembra que a violência contra as mulheres é uma realidade em todo o mundo.
O texto completo pode ser encontrado aqui.
A violência contra as mulheres é estrutural e é inerente aos sistemas patriarcal e capitalista. É usada como uma ferramenta de controlo da vida, corpo e sexualidade das mulheres por homens, grupos de homens, instituições patriarcais e Estados. Apesar de afectar às mulheres como grupo social, cada violência tem um contexto específico e temos que compreender como, quando e por que ocorre a violência contra as mulheres.
A idéia geral sobre a violência contra as mulheres é que trata-se de uma situação extrema ou localizada, envolvendo pessoas individualmente. Mas ela nos toca a todas, pois todas já tivemos medo, mudamos nosso comportamento, limitamos nossas opções pela ameaça da violência. Outra idéia é que a violência contra as mulheres é apenas um problema das classes baixas e das culturas “bárbaras”. No entanto, também sabemos que esse tipo de violência é transversal e atravessa todas as classes sociais e diferentes culturas, religiões e situações geopolíticas.
Apesar de ser mais comum na esfera privada, como violência doméstica - seja esta sexual, física, psicológica ou abuso sexual – a violência contra as mulheres e meninas ocorre também na esfera pública, que entre outros inclui: feminicídio, assédio sexual e físico no lugar de trabalho, diferentes estupros, mercantilização do corpo das mulheres, tráfico de mulheres e meninas, prostituição, pornografia, escravidão, esterilização forçada, lesbofobia, negação do aborto seguro e das opções reprodutivas e autodeterminação, etc. O silêncio, a discriminação, a impunidade, a dependência das mulheres em relação aos homens e as justificações teóricas e psicológicas toleram e agravam a violência para as mulheres.
A violência, a ameaça ou o medo da violência são utilizados para excluir as mulheres do espaço público. As mulheres pagam com suas vidas por trabalhar na esfera pública em lugar de ficar em casa como impõe a cultura patriarcal, ir à escola ou à universidade, “atrever-se” a viver sua sexualidade abertamente ou por se prostituir como falta de opção. Em um contexto de criminalização dos movimentos sociais, a repressão de mulheres ativistas envolvidas com a luta muitas vezes toma a forma de violência sexual. Além disso, a discriminação contra as mulheres é composta pela intersecção de diferentes formas de opressão: elas são discriminadas por ser mulheres, e também pela sua cor de pele, língua, raça, etnia, classe social, situação financeira, religião, sexualidade...
A raiz da violência contra as mulheres está no sistema patriarcal e no capitalismo, que impõem uma necessidade de controle, apropriação e exploração do corpo, vida e sexualidade das mulheres. O patriarcado funciona através de dois princípios: a noção de que as mulheres são propriedade dos homens, por isso sempre disponível a esses, e a divisão das mulheres em duas categorias: “santas” e “putas”. Como parte desse sistema, a violência é a punição para aquelas que não se enquadram no papel da “santa”: boa mãe e esposa. Por exemplo, é comum que os homens justifiquem que agrediram, verbal ou fisicamente, a suas esposas porque a comida não estava pronta ou porque a roupa que queriam vestir não estava limpa. Também é um castigo para aquelas que são consideradas “putas” e os agressores e a sociedade justificam a agressão dizendo que a mulher estava caminhando sozinha de noite, ou porque são lésbicas e devem ser ensinadas a ser heterossexuais, ou porque a roupa que estavam usando não era decente.
Como parte da cultura patriarcal, a masculinidade está associada à agressividade, e os jovens são ensinados que ser violento é ser um “verdadeiro homem”. São empurrados – em alguns casos – a unir-se a gangues sexistas ou racistas. Novas formas de violência com relação às jovens mulheres, como assédio sexual contra as estudantes e violência de grupos nas escolas, se revelam e crescem à cada dia. Elas instauram relações e divisões sexistas de papéis entre jovens mulheres e homens sem que haja qualquer discussão pública sobre esses estereótipos devastadores. A noção imposta pelo patriarcado de que as mulheres são propriedades dos homens inclui também um aspecto econômico que se expressa na combinação entre o patriarcado e o capitalismo, impondo uma divisão sexual do trabalho que com papéis “naturais” para mulheres e homens. Desta forma, as mulheres são caracterizadas como mão-de-obra muito barata sempre disponível para o cuidado dos outros e para todo o trabalho que isto implica. Assim, assistimos a dois níveis de dominação das mulheres dentro dos sistemas patriarcal e capitalista: por um lado, há uma exploração do trabalho das mulheres e, por outro, a violência como ferramenta para manter a dominação do homem. E, portanto, não podemos falar na erradicação da violência para as mulheres sem demandar a erradicação dos sistemas patriarcal, capitalista e colonialista.
A violência contra as mulheres e a misoginia se intensifica na medida em que os atores e políticas da globalização neoliberal se afirmam na economia. O feminicídio aumenta quando são promovidos e assinados acordos de livre comércio nas Américas, como o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) , sob o qual os lugares de trabalho, como as fábricas, aproveitam da flexibilidade das leis trabalhistas e ambientais. Muitas mulheres mexicanas são assassinadas, por exemplo, quando cruzam a fronteira com os Estados Unidos e na própria cidade fronteiriça de Cidade Juárez. O ataque aos direitos reprodutivos e aos serviços de saúde aumentou à medida que os serviços sociais foram sendo privatizados ou tiveram seus orçamentos reduzidos. À medida que se globaliza a indústria sexual cresce o numero de mulheres traficadas cada vez mais jovens,. As mulheres são estupradas em guerras geradas em nome da “propagação da liberdade” e nas invasões realizadas por potências estrangeiras (como a invasão americana ao Afeganistão) que por vezes se “justificam” em nome da defesa dos direitos das mulheres.